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Crise mundial na Internet?
1998 era esperado como o ano do comércio eletrônico. Uma visão bem otimista para quem não contava com as repercussões da crise mundial na economia virtual. Como o setor está sobrevivendo e driblando esse fantasma? O Coordenador do Grupo de Trabalho de Economia de Redes da Internet Brasil e Consultor Nacional sobre a Economia do Comércio Eletrônico, José Carlos Cavalcanti, conversa com a equipe do Enterprise News e fala ainda dos cortes do governo federal , nas universidades e institutos públicos, onde trabalham mais de 70% dos cientistas e engenheiros do Brasil.
Enterprise News - A queda nas bolsas de valores, inicialmente na ásia, depois a repercussão nos outros países e em especial para o Brasil tem trazido graves consequências em todos os níveis: educação, saúde, emprego e renda, moradia. O governo federal tem anunciado uma série de cortes como uma maneira de driblar a crise financeira. Como o setor da Informática tem reagido ao problema?
José Carlos Cavalcanti - Antes de tudo gostaria de reiterar algo que já venho afirmando a algum tempo. Nós não estamos diante de um fenômeno qualquer. Nós estamos vivenciando uma outra etapa da Civilização Humana em que os atributos mentais que desenvolvemos até então são incapazes de ajudar na compreensão do que está acontecendo neste exato momento, tampouco fazer qualquer previsão sobre o futuro. Em outras palavras, nós estamos vivenciando uma crise dos paradigmas tradicionais de entendimento das realidades social, econômica, política e cultural. A Ciência Econômica, por sua vez, não foge a esta regra. E o que posso afirmar com relação a isto é que esta Ciência está tendo que se render aos fatos da complexidade atual e buscar novas fontes de inspiração, como já fez no passado, quando se valeu de conceitos da Física para tentar explicar os fenômenos que emergiram no seio da Sociedade Industrial. Minha aposta teórica é que a Ciência Econômica deve "beber" de outras fontes (como a Computação e a Biologia) se quiser se manter como um arcabouço importante de interpretação da dinâmica social. Do ponto de vista histórico a Economia veio ao mundo para dar conta (e gerar ferramentas para tratar), entre várias coisas, do fenômeno da Escassez de recursos (fundamentalmente os naturais) diante da incessante necessidade dos homens pela satisfação dos seus desejos. Hoje, nós estamos presenciando o limiar da Economia Pós-Industrial, que alguns, como eu, já estão denominando de a Economia da Informação e do Conhecimento. Nesta Economia o fator produtivo mais importante é Informação/Conhecimento. E este é um fator que é Abundante. No espírito desta linha de raciocínio, o que gostaria de argumentar é que a não antecipação, por parte dos "Economistas de Plantão (Catastrofistas ou não)", dos fenômenos que ocorreram desde a queda das bolsas na Ásia, deve-se muito ao desconhecimento dos meandros (da estrutura, da conduta e do desempenho) da NOVA ECONOMIA DA INFORMAÇÃO/CONHECIMENTO. Dito de outra maneira, o que as recentes flutuações na bolsas internacionais estão refletindo é simplesmente uma reestruturação das fontes de realização de valor (ou de lucro). Setores bastante comuns ao nosso dia a dia, como os de petróleo, aço, automobilístico, bancos tradicionais, etc (próprios da Era dos Bens Tangíveis), estão deixando de proporcionar altas taxas de remuneração no mercado financeiro, e novos segmentos estão emergindo. Ou seja, está havendo uma brutal MIGRAÇÃO das fontes geradoras de VALOR, e isto os Economistas de Plantão não perceberam. Com os rápidos avanços nas tecnologias de computação e de redes, milhares de computadores heterogêneos podem ser interconectados para prover um grande leque de recursos computacionais e de redes (e acima de tudo, novos produtos, serviços e oportunidades). Estes sistemas estão sendo usados por um crescente e progressivamente heterogêneo conjunto de usuários que têm requerimentos diversos em termos de Qualidade de Serviços (QoS). De modo a dar suporte a este diverso leque de usuários em grandes sistemas distribuídos, a tarefa de proporcionar uma alocação eficiente de recursos (tanto econômicos quanto computacionais) se torna bastante complexa e extremamente desafiadora. Tomando-se uma visão macroscópica dos atuais sistemas de computadores distribuídos, percebe-se a complexidade da organização e da gerência dos recursos e serviços que eles oferecem. Esta complexidade emerge pelo tamanho (ex.: n° de sistemas, n° de usuários), heterogeneidade de aplicações (ex.: processamento on-line de transações, multimídia, bibliotecas digitais, busca inteligente de informações), e recursos (CPU, memory, bandwidth). Entender esta nova realidade é um desafio muito grande, e a Ciência Econômica tradicional não conta com ferramentas adequadas para tratar os novos conceitos que estão emergindo na Economia da Informação. Com relação à questão propriamente dita, o Setor de Informática está no epicentro de toda esta Revolução de Paradigmas. Para ir direto ao assunto, este setor não reage: ele é um elemento ativo do processo. É ele que está puxando a nova dinâmica econômica, já que ele é a mola propulsora das inovações tecnológicas recentes, levando ao progresso técnico, e, consequentemente, ao crescimento econômico. Para corroborar estas minhas palavras, basta apontar o que foi feito recentemente nos Estados Unidos em termos de se tentar contornar este problema que eu chamo de "falta de ferramentas". Diante do fenômeno das inovações em tecnologias de informação e comunicação, com seus vastos efeitos em numerosos domínios da Sociedade, a National Science Foundation- NSF solicitou ao Computer Science and Telecommunications Board- CSTB, do National Research Council-NRC, se estes últimos poderiam colaborar num esforço de avaliação do impacto sócio-econômico das Tecnologias de Informação e Comunicação. Como resultado deste pedido, foi realizado um amplo seminário com especialistas das áreas de Economia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, bem como de especialistas de Computação e Engenharia. A síntese das discussões foi condensada num importante documento intitulado "Fostering Research on the Economic and Social Impacts of Information Technology, que será editado brevemente pela National Academy Press, dos EUA. Para que os leitores tenham uma impressão do progresso recente das Tecnologias de Informação, e como elas "vão muito bem obrigado", eu aconselharia uma leitura ao documento da OECD- Organisation for Economic Co-operation and Development "Information Outlook 1997", que pode ser obtido no site http://www.oecd.org.
E.N - A tecnologia da Informação também está sendo afetada com isso aqui no Brasil?
J.C.C - O Brasil é conhecido hoje como uma economia emergente. Tem uma indústria e informática que é dinâmica, mas ainda padece dos problemas de um país que não tem uma população educada (prefiro dizer informada), ou que demande bens de informação da mesma forma como os países mais desenvolvidos. Além disto, é preciso afirmar que o país não está preparado ainda, em termos de seu setor financeiro, para alavancar a informática, e, mais marcadamente, o segmento de software. A razão é simples: todo aparato financeiro está voltado para o financiamento à produção de bens tangíveis. Software, como um bem intangível, ainda não mereceu a devida atenção no Brasil em termos econômicos. É preciso avançar muito nesta área e nós não temos muito tempo. Existe uma janela de oportunidade para alavancar o software brasileiro mas falta cultura de financiamento para isto.
E.N - Quais as repercussões desta crise no comércio eletrônico? a rede mundial também sofre com isso?
J.C.C - Para você ter uma idéia, a revista Businessweek desta semana traz uma matéria sobre as cem empresas mais dinâmicas da área de tecnologias de informação. Lá você verá que a palavra crise não existe. E principalmente naquelas que estão mais tirando proveito do Comércio Eletrônico. Segundo a matéria, a Dell Computer Corporation, especializada na venda de computadores pela Internet, desafia a gravidade. Suas vendas estão passando dos 12 bilhões de dólares e seu lucro já está na casa do 1 bilhão. Ela já é o maior representante da era do Comércio Eletrônico, vendendo mais de 6 milhões de dólares por dia em produtos e serviços. A outra novidade da matéria é exatamente o crescimento de diversas companhias que estão se utilizando mais deste novo Comércio.
E.N - O que precisa ser feito, em tempo, para "salvar" o comércio na rede? A questão da "segurança na Internet" ainda é um problema ou já está sendo superada?
J.C.C - Esta é uma questão que ainda aflige, mas os padrões tecnológicos já estão sendo estabelecidos e eles trarão a tranquilidade que se espera para a verdadeira digitalização de todo o comércio mundial.
E.N - Em números, têm crescido os internautas no Brasil? E de transações feitas através da Internet? Quais as perspectivas para o ano que vem? No ano 2000, como o Brasil vai estar posicionado neste setor? São otimistas as projeções?
J.C.C - Já estamos em cerca de 2 milhões de internautas no Brasil (um número ainda pequeno para as dimensões nacionais, mas que é expressivo). Este número é difícil de precisar, mas o nosso crescimento é impressionante. Em 1996 o crescimento dos domínios comerciais foi de 1.429 no primeiro trimestre para 9.330 no quarto trimestre. Em 1997 saltamos de 11.574 para 34.342 domínios comerciais. O ano de 1998, apesar de tudo, será também impressionante. Em termos de número de hosts, o crescimento da Internet no Brasil tem sido também surpreendente. Pulamos de 8.079 hosts comerciais no primeiro trimestre de 1996 para 33.452. Em 1997 o crescimento foi de 40.522 hosts no primeiro trimestre para 65.423 no quarto trimestre. Sem sombra de dúvidas um crescimento espantoso. Minhas projeções são absolutamente otimistas, apesar de tudo que vem sendo divulgado na imprensa.
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E.N - Se o Governo Federal anuncia cortes e mais cortes, inclusive com a redução de bolsas para pesquisadores (na área da Ciência da Computação) como pode o Brasil crescer desse jeito? Existe alguma alternativa?
J.C.C - De fato complica um pouco. Quem sofre com isto é o setor produtivo. Mais de 70% dos cientistas e engenheiros do Brasil estão trabalhando nas universidades e institutos de pesquisa públicos. Todo este pessoal demanda material e equipamentos para inovação tecnológica fundamentalmente do governo. Portanto, a inovação tecnológica que é importante para o setor produtivo emerge dentro das universidades e institutos públicos. Se cortes nestes recursos são feitos, bloqueia-se a inovação tecnológica, o setor produtivo fica pouco competitivo, e o país sofre como um todo. Se as empresas brasileiras demandassem profissionais para desenvolver inovação tecnológica isto seria diferente. Nos Estados Unidos apenas 13% destes profissionais estão na academia; 86% estão nas empresas. A alternativa seria que as empresas brasileiras aumentassem seu esforço de inovação tecnológica, de modo que sua competitividade não ficasse comprometida aos "vais e vens" das decisões do governo em termos de verbas. Para que o Brasil se firmasse mais como uma referência na produção de software com qualidade, bastam apenas dois grandes passos: investir em qualificação de seus recursos humanos (educar, educar, educar). No longo prazo os resultados surgirão. Como outro passo, que é mais de curto-prazo, o país precisará importar gente qualificada em tecnologias de informação. Os EUA já entraram nesta guerra. O Brasil precisa acordar para esta guerra de caça aos talentos, pois pode comprometer hoje todo o esforço de montagem de uma indústria de tecnologias de informação realizado nos últimos anos.